Eu escrevo este texto para ser lido daqui a um tempo no futuro. Isto também deve servir como um lugar especial para quem chegou no final das postagens – ou para quem chegou por aqui no começo dos trabalhos.
A ideia para a criação deste blog se deu no final de 2019, provavelmente em algum momento de reflexão para os planos do ano seguinte. Este blog é a costela de um corpo maior, o estúdio Barbatão. Encará-lo como uma espécie de materialização de pouco mais de doze anos de trabalho me dá um misto de satisfação e assombro. Nada mais apropriado a esse sentimento do que montar um espacinho que sirva como uma espécie de cúmplice silencioso dos meus devaneios.
Do tempo de onde te escrevo, início de 2021, estamos há uma década com a premissa de uma tal de web 2.0 afirmando-se cada vez mais como distopia. Na última metade dos anos 00, esse conceito de internet (tanto navegação como infraestrutura) se mostrava como uma evolução semântica e soava como uma nova etapa do sonho da grande rede democrática que integrava pessoas de todas as partes do planeta. Muito em breve todos nós estaríamos cantarolando abraçados a mesma canção online. A principal aposta dessa virada morava nas redes sociais, a massa digital, o poder popular do novo século.
Dito e feito, coisas incríveis aconteceram – porém não da forma como os mais sonhadores gostariam que tivesse acontecido. O otimismo virou delírio. O delírio virou um quadro patológico. Cá estamos soterrados sob os gerúndios desta cheesecake de controle social e distração estratégica. Provavelmente bem mais das metade das pessoas do meu país acham que a internet se resume às redes sociais (eram 55% no final de 2016). Dadas séries e séries de desconforto com o uso das redes sociais e com o constante incentivo da homogeneidade na forma de conteúdos, caiu uma ficha na minha cabeça de que pudesse ser uma boa praticar esse “êxodo rural” de sair da metrópole Facebook e vir construir uma casinha na zona rural do resto da internet que ainda é tudo mato.
Chegue logo, Web3.
Abrir um caminho fora das redes (ainda) é importante
É um tanto duro recorrer às palavras do sociólogo e pedagogo Neil Postman no livro Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business (“Entretendo-se Até A Morte: Discurso Público na Era do Showbusiness”, em tradução livre e publicado originalmente em 1985), viralizadas em meados de 2009 por uma adaptação brilhante do quadrinista Stuart McMillen. A tirinha elencava diferenças entre as distopias vislumbradas pelos escritores Aldous Huxley e George Orwell. No texto, Postman descreve o temor de Orwell em sermos escravizados pela dor e pelo ódio. Já Huxley defendia que seríamos controlados por aquilo que nos dá prazer e pelas coisas que amamos.
Uma tirinha de 2009 sobre um negócio lá em 1985 que era algo bem 2020 (você pode ler ela completa clicando na imagem acima)
Talvez lá na época dele não fosse tão simples prever a tal cheesecake que a gente se empanturraria com uma teletela em cada bolso. Talvez não fosse tão previsível vislumbrar o avanço da sombra fascistóide sobre as nações do mundo, ou a degradação crescente da natureza da nossa única casa no universo. Mas, bom, sou time Huxley. É o que tem pra hoje e é o que me faz pôr a cabeça nos eixos e seguir dia após dia.
Exposto tudo isto, meu plano para 2020 era ter mais atenção com a escrita, sair aos poucos das redes sociais (um lugar bem Huxley hoje em dia) e tentar o contato online com os outros, com gente que conheço e que não conheci ainda, através do texto escrito. Um blog já é de bom tamanho.
Manter diários é lembrar do que se é
– e é mirar no que se pode ser
A Cova das Mãos, uma caverna próxima do Rio Pinturas, na Patagônia. Considerado patrimônio mundial pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), o lugar possui marcas de mãos feitas por indígenas há nove milênios.
Por mais que este blog seja o blog do meu estúdio (e explico mais dele nesta publicação), pretendo publicar aqui uma espécie de diário de bordo melhor organizado. Também é um espaço para reflexões sobre o fazer e pensar do design. Nestes últimos anos tenho sentido falta de um lugar onde eu possa me alongar na escrita, onde a minha voz não é restringida pelas diretrizes formais de uma rede social. Tenho sentido falta de mais lugares de pausa e de encontro.
(E, claro, o arquivo de um blog é muito melhor e mais funcional do que uma timeline.)
Bom, passei o primeiro trimestre de 2021 modelando a ideia de como viabilizar este estúdio, este site e este blog. Eu espero fazer valer a pena e prometo doar o meu melhor.
Até o caminho, meu amigo e minha amiga.
Yuri.
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